Tuesday, November 28, 2006

Visível aos olhos, impossível ao coração

Eu vejo minha amiga e sua bicicleta.
Não sei quem é mais atleta
Se ela ou seu coração...

Tira suspiros do vento,
Abre caminhos pra quem canta não;

Tem como tormento
O choro não contido,
Antes houvesse nascido
Com uma nova canção.

Eu vejo minha amiga na chuva e nas rosas,
No miolo fofo do girassol,
Derramando versos em prosa,
Cantando suave em si bemol;

Amiga minha,
De esperança torta,
Que sem medo caminha,

É pau para toda obra,
E cativa o poeta amigo,
Sempre encantado e agradecido
E presto a qualquer hora.



Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
“O essencial é invisível aos olhos”

Monday, November 27, 2006

Todo casamento tem seu fim

Ai de mim, que não me caso nem ando de bicicleta.
Atleta do amor é chamado de poeta.
Ai de mim, que nego compromissos,
E se intimado, logo sou omisso.
Não faço o tipo namorado
E se me entrego fácil,
Logo me canso em tempo hábil,
Talvez não esteja preparado,
Mas nada na vida é planejado.


Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Ai dos romances ditos impossíveis.

Um bombom, uma flor e um sorriso.

Naquela noite ele queria apenas encontrá-la. Ficar perto, afagar seus cabelos e até mesmo ouvir suas loucas e infindas histórias de amor, segurando os ciúmes para não dar na cara. Ligou para ela cedo e disse que estava com muitas saudades. Uma saudade vinda sabe-se lá de onde, mas de encher o peito e marejar os olhos. Realmente não entendia esta loucura repentina de apaixonar-se por ela depois de tanto tempo de amizade sincera e segura, muito menos ela entenderia. Não podia se declarar. Não resolveria nada. A melhor amiga de Ana, agora distante, em terras estrangeiras, que anda pelas ruas de Paris despreocupada, tinha sido amante dele e mais que isso, musa para um de seus mais belos poemas. E para ele, isso não faz muito sentido. A regra três pertence apenas ao futebol.
Mas no Brasil, em Minas Gerais, precisamente na cidade de belos horizontes e bares de esquina, onde a boemia toma uma forma madura e melancólica, tudo se torna possível quando chega a Primavera. Não esperava tamanha aflição. Da noite para o dia acordou angustiado, com a imagem da morena na cabeça. Pesadelos haviam confundido o coração do marmanjo poeta de 27 anos, que tem verdadeira devoção pelas mulheres e pelas coisas criadas por elas, inclusive o amor, a paixão e o choro incontido. Coisas que Ana sabe muito bem e mergulha de cabeça, sempre que pode. E pode!
Comprou um bombom, colheu uma flor na porta de casa e foi em direção ao pequeno sobradinho onde mora a mulher de sua primavera e todos seus sonhos. Antes mesmo de chegar decidiu ligar para ela. A pequena morena não atendeu ao telefone e não deu mais notícia. A flor que ele havia colhido foi atirada na avenida mais movimentada da cidade e o bombom dado a uma destas crianças malabaristas de sinal de trânsito. O sorriso que ele recebeu da garotinha aliviou seu peito e o levou para o bar mais próximo para comemorar sabe-se lá o que.
Tomou algumas cervejas, trocou confidências com o barman, fumou cigarros menos aflitos e foi para casa dirigindo com certo alívio e uma descontração primaveril. Antes de pegar no sono, pegou o violão e entoou alguns acordes bem brasileiros e apaixonados. Acabou sonhando com ela, mas dessa vez de braços e peito abertos para toda poesia e lirismo do mundo. Mas o sonho acabou e o pobre poeta acordou.




Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Êta segundinha brava!

Três poemetos para Ana

I

Meu coração quase não suporta
Essas noites em claro e sem prosa;
Minha agonia exaustiva e chuvosa
É tristeza ativa
Para a mais doce amizade amorosa.

II

Já dizia o poeta:
- Ouça o coração.
Mas só depois ele revela:
- Muitas vezes pode ser em vão.

III

Que vontade de chorar
Neste vinte de novembro;
Levo vinte motivos para amar
O resto leva o vento.




Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Ai que vontade de chorar...

Devaneios primaveris!

Uma mulher morena, cuja pele irresistível e distante carrega impressões digitais diversas. Existem inúmeras mulheres cheias de ofertas nesta primavera, mas nenhuma se compara a esta espécie, metade anjo, metade maldita. A paixão que corre pelo meu corpo alerta atormenta a mansidão que embalava os versos mais simples e puros nesta estação de flores e céu azul, mas ela continua desacordada e nega a inundar a minha vida de beijos e lágrimas de imensa ternura.
Durante a noite tento dormir e quem sabe sonhar com suas pernas e seus braços à minha procura. Adormeço suado e nada mais tenho a não ser pesadelos cruéis em que vejo a amada morena no abraço qualquer de um homem frio e sem carinho. Amanheço assustado, mas a euforia da paixão está presente em sua essência, mas não há mais tormento na nova manhã. Enquanto o dia passa, meus olhos se enchem de água e, melancólico e gradativamente, meu coração começa a bater em um ritmo acelerado demais para me conter. O que me resta senão a cerveja gelada do bar mais próximo? É lá que me sento na calçada e com o olhar distante torno-me mais poeta na boemia solitária de meus 27 anos.
Vinte e sete anos vividos na inquietação de meus cinco sentidos. Vinte e sete anos ao lado da minha sombra indecisa. Mas é aos vinte e sete que tento rasgar a noite e descolorir o dia, para desmanchar toda a poesia e ter a chance de fazer tudo de novo, de um jeito ímpar.
Não perdi a esperança valente na minha mocidade, não escolhi caminhos fáceis para a minha poesia, nem derramei versos inúteis sobre mulheres que não amava. Sou o poeta das coisas simples, das mulheres fugidias, mas meu povo é o meu mais importante poema.




Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Apenas mais uma quinta-feira de meus 27 anos.

Uma pétala de amor

Flores desta Primavera,
Que ninguém mais viu tão belas.
Peço permissão a Senhora Natureza
Para arrancar uma delas
E divulgar sua beleza;

Suas pétalas cairão
Uma por uma no colchão
Onde dorme uma senhorita,
Cheia de charme e de vida;

Dorme em meio a sonhos,
No sossego momentâneo
Da doce ilusão
De nunca ter amado em vão.



Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Tarde cheia de saudades e esperanças cansadas.

O meu amor

O meu amor, assim,
Quando acorda em Primavera,
Não é nada novo,
Não é nada ruim,
Mas foge de algumas regras;

Ao anoitecer, meu amor,
Diante a calma miséria,
Perde o sono,
Num desgosto noturno,
Triste e profundo.

Amor suspira, chora...
E as roseiras decoram
Versos em prosa;

O amor murmurante,
Sofrimento mutante,
Eternamente belo ao instável;

Amável,
Atropela e mata,
Enquanto agarra pela mão
Suplica carinhos em vão.



Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Amor é carinho.

O dia de hoje

O dia hoje amanheceu em um azul tão macio que afagava meus olhos cansados de tanta chuva e nuvens cinza. Acordei disposto e abri a janela, junto a um cigarro e um café bem forte. Na rua, o silêncio denunciava o feriado no meio da semana. Não tinha que trabalhar e pior, não tinha o que fazer. Mas eram apenas nove horas da manhã daquela quarta-feira suave.
Não fui eu quem criou o silêncio naquela manhã, mas de certo contribui muito. Normalmente teria ligado o som bem alto, aberto a janela da sala que dá para o morro do Cafezal e ficaria daquele jeito, a contemplar aquelas casinhas que mais se parecem com um presépio. O tédio me aconselhava a sair para a rua sem destino algum. Mas era um tédio amigo, que me abraçava naquela doce manhã de novembro. Resolvi ficar ali, beirando a janela e esperando os primeiros movimentos matutinos dos moradores da minha Serra. De um café forte passei para a água de coco gelada e, da água de coco passei para a cervejinha mais gelada ainda.
Às onze da manhã já fervilhava pessoas suadas na calçada de minha rua. Logo ali, em frente ao meu prédio, fica um ponto de ônibus que costuma dar de tudo. Desde assaltos ligeiros, atropelamentos rasteiros ao completo marasmo. Da janela da sala, passei para a varanda, que naquele silêncio, lembrava-me beijos intermináveis e apaixonados. Ah... Cada um tem o passado que merece.
Lembranças aliviavam o calor que fazia naquele meio-dia de Primavera. Nenhum grande amor vivido me passava pela cabeça. Apenas uma mulher era a imagem perfeita para os meus pensamentos. O nome dela, talvez tenha esquecido em uma noite de jazz no centro da minha cidade cheia de horizontes, talvez nunca tenha ao menos confundido as letras deste nome composto de tantas delicadezas e encantos. Tanto faz, seu primeiro nome significa a mesma coisa de traz para frente. É cheia de graça, segura e ama as crianças, os animais e o verde. É esta a mulher que nasceu no dia e foi crescendo na tarde chuvosa, até cair molhada no leito solitário de um sobradinho qualquer, de um bairro qualquer.
Mas, a tarde... A tarde veio junto a uma brisa suave anunciando a chuva, ou melhor, uma daquelas rápidas tempestades. O calor chama, o céu responde com pequenas pedras de gelo que logo começam o batuque no telhado metálico que protege os carros na garagem. A natureza e suas lágrimas cristalizadas param a primavera e dão lugar a uma nova estação. É a estação dos amores não vividos, do espaço vago nos corações, do inútil peito aberto e inatingível, da vontade de chorar e sentir o gosto oceânico do choro quando em contato direto com a boca quase seca.
Naquele feriado qualquer de novembro não vi ninguém conhecido, a não ser a minha própria imagem refletida no espelho do banheiro. Era apenas uma imagem, mas parecia o poeta vidrado, ao avesso.



Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Ó céus!

Eterno regresso

Permito-me renascer para o seu amor. É Primavera, e como poeta eu tenho mais é que lhe cobrir de versos e quem sabe tirar metade de toda essa dor que você sente e dói tanto. Minhas mãos têm um poder apaziguador, meus olhos e minha pele sabem da volúpia que cresce. Vivo agora na infinita cicatriz de sua chama, que outros homens não verão tão quente o ardente verso que nos lembra outras primaveras.
Meu nome é Djalma, Daniel de alma pura, poeta das horas rubras, sujeito de outrora que regressa para morrer no seu destino, agradecido por tanto carinho que dentro do seu coração trêmulo confunde todos os caminhos.
Herança da minha contemplação de longas noites em claro, fonte primeira dos meus versos maduros, mulher que encanta e canta Jobim com a divindade de uma deusa, que é... Quando quer!
Aprendi com você certas coisas sobre a mulher e o sofrimento. Aprendi a ser mais poeta e consegui conviver ao lado do meu tormento, sem nenhum lamento. Não deixarei que morra em mim o desejo da sua presença, nem mesmo poderei lhe dar algo mais senão a ternura dos meus versos e minha eterna atenção.
Devoto de São Francisco de Assis adoro o seu amor intrínseco pelos bichos e seu imenso afeto por tudo que é verde e tem raízes. Eu sou como um animal ferido, que precisa de algo mais que um olhar mendigo. Sou a esperança que lança ao mundo o beijo despojado da vida. Sou fraco e temo todos os meus demônios. Eles sim são fortes como a própria voz feminina que chega incitando o amor e todas as outras coisas criadas, na beleza suspensa da incompreensão humana.
Enfim, nunca fujas de mim e nem permaneça seca na minha memória lírica e sem jeito. O tempo vai passando e, junto a ele, distantes ficam as amarguras e branda a dor. Somos jovens, mas a velhice nos aguarda num álbum imaginário, cheio de amenidades e céu azul. Da lua resta a luz que preciso para acalmar meus versos e na embriaguez da noite durmo no desconsolo inquieto de seus sonhos.



Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Que delícia quando vem a inspiração.
Que delícia de sexta-feira. Ateu, rezo por sua amorosa aparição.

QUADRANTE

NUM QUADRANTE de tipo mágico
bem quisera gravar as horas
em que junto da amiga, eufórico,
olvidasse tôdas as horas.

(Carlos Drummond de Andrade)