Monday, November 27, 2006

O dia de hoje

O dia hoje amanheceu em um azul tão macio que afagava meus olhos cansados de tanta chuva e nuvens cinza. Acordei disposto e abri a janela, junto a um cigarro e um café bem forte. Na rua, o silêncio denunciava o feriado no meio da semana. Não tinha que trabalhar e pior, não tinha o que fazer. Mas eram apenas nove horas da manhã daquela quarta-feira suave.
Não fui eu quem criou o silêncio naquela manhã, mas de certo contribui muito. Normalmente teria ligado o som bem alto, aberto a janela da sala que dá para o morro do Cafezal e ficaria daquele jeito, a contemplar aquelas casinhas que mais se parecem com um presépio. O tédio me aconselhava a sair para a rua sem destino algum. Mas era um tédio amigo, que me abraçava naquela doce manhã de novembro. Resolvi ficar ali, beirando a janela e esperando os primeiros movimentos matutinos dos moradores da minha Serra. De um café forte passei para a água de coco gelada e, da água de coco passei para a cervejinha mais gelada ainda.
Às onze da manhã já fervilhava pessoas suadas na calçada de minha rua. Logo ali, em frente ao meu prédio, fica um ponto de ônibus que costuma dar de tudo. Desde assaltos ligeiros, atropelamentos rasteiros ao completo marasmo. Da janela da sala, passei para a varanda, que naquele silêncio, lembrava-me beijos intermináveis e apaixonados. Ah... Cada um tem o passado que merece.
Lembranças aliviavam o calor que fazia naquele meio-dia de Primavera. Nenhum grande amor vivido me passava pela cabeça. Apenas uma mulher era a imagem perfeita para os meus pensamentos. O nome dela, talvez tenha esquecido em uma noite de jazz no centro da minha cidade cheia de horizontes, talvez nunca tenha ao menos confundido as letras deste nome composto de tantas delicadezas e encantos. Tanto faz, seu primeiro nome significa a mesma coisa de traz para frente. É cheia de graça, segura e ama as crianças, os animais e o verde. É esta a mulher que nasceu no dia e foi crescendo na tarde chuvosa, até cair molhada no leito solitário de um sobradinho qualquer, de um bairro qualquer.
Mas, a tarde... A tarde veio junto a uma brisa suave anunciando a chuva, ou melhor, uma daquelas rápidas tempestades. O calor chama, o céu responde com pequenas pedras de gelo que logo começam o batuque no telhado metálico que protege os carros na garagem. A natureza e suas lágrimas cristalizadas param a primavera e dão lugar a uma nova estação. É a estação dos amores não vividos, do espaço vago nos corações, do inútil peito aberto e inatingível, da vontade de chorar e sentir o gosto oceânico do choro quando em contato direto com a boca quase seca.
Naquele feriado qualquer de novembro não vi ninguém conhecido, a não ser a minha própria imagem refletida no espelho do banheiro. Era apenas uma imagem, mas parecia o poeta vidrado, ao avesso.



Djalma Gonçalves,
Primavera de 2006.
Ó céus!

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